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Foto do escritorRodrigo Aquiles Santos

Resenha de História da África Negra vol. 1


Historiador e Político, burquino, Joseph Ki-Zerbo
Historiador e Político, burquino, Joseph Ki-Zerbo

História da África Negra de Joseph Ki-Zerbo é uma leitura técnica e rica em detalhes, com toques de bom humor e crítica social. A pesquisa, como o autor explica na introdução, foi cercada de dificuldades. A princípio pela escassez de material e também pelo difícil acesso ao conteúdo existente. Fatores que representam a urgência, pela qual deve ser tratada, o estudo e a disseminação da história africana. Como o autor defende em um trecho: “A história africana deve ser uma fonte de inspiração para as novas gerações, para os políticos, os poetas, os escritores, os homens de teatro, os músicos, os cientistas em todos os campos e também simplesmente para o homem da rua.”


A obra compreende desde a pré-história, apresentando a África como a pátria da humanidade, passando pela ascensão e declínio de impérios excepcionais como o egípcio, o etíope, o axanti e vários outros. Assim como a frutífera e conturbada, expansão árabe e a difusão do islã. Chegando até os séculos XV e XIX marcados pelos contatos com os europeus. E como não poderia deixar de faltar - e um dos motivos que me levaram à esta leitura - a época da invasão predatória protagonizada pelos povos europeus.


Período que representou a maior barbárie que a humanidade já testemunhou. Aconteceu de maneira semelhante nas Américas e em tantas outras terras onde civilizações inteiras tiveram não apenas as suas riquezas saqueadas, mas também perderam o direito sobre ao seu corpo e a sua alma, além de ter a sua cultura dizimada.


O filósofo alemão Friedrich Hegel, declarava em 1830: “A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos históricos próprios dela”. Seguido, em 1928, por Reginald Coupland, historiador britânico que em seu manual “A História da África Oriental” pontuou: “A maior parte dos seus habitantes tinham permanecido, durante tempos imemoriais, mergulhados na barbárie (...) Eles permaneciam no estagnamento, sem avançar, nem recuar”


“A maior parte destas extravagâncias resultam, evidentemente, dos preconceitos dos seus autores. Resultam também da conjuntura neocolonialista em que mergulham ainda os países em que trabalham muitos dos investigadores. Mas, sobretudo, estas aberrações revelam os pontos obscuros e as dificuldades da investigação histórica em África” (Joseph Ki-Zerbo)

O livro derruba por completo a ideia de um continente africano submisso às invasões européias. Houve muita resistência, sim! Houve muita luta, sim! Mas existem diversas maneiras de subjugar um povo: seja pela oferta de aliança nos diversos conflitos que ocorriam entre as nações africanas, seja por acordos esdrúxulos, seja pela covarde traição e obviamente pela violência. Cada um destes povos vivenciou esta época de uma forma diferente. A pólvora desequilibrou o jogo, mas ainda assim:


"O exército do manicongo era composto essencialmente de guerreiros a pé, com arcos de pequeno tamanho e setas apropriadas, cujo veneno não perdoava. Os atiradores podiam, ao que se dizia, lançar vinte e oito setas sucessivas antes de a primeira tocar na terra (...) A estes homens não eram desconhecidas as táticas e as manhas de guerra. Por exemplo, atacavam os portugueses debaixo de chuva, quando os arcabuzes e as bombardas não podiam fazer fogo". E este é apenas um pequeno exemplo da valentia, vigor e inteligência que os europeus encontraram na sua ambiciosa tentativa de conquista da África.


Quinhentos anos foi ontem, esta é a minha percepção. Período que representa uma fração de tempo na história da humanidade. Foi logo ali que interferiram na gloriosa ascensão de nossos antepassados. Tanto que os reflexos do tráfico de escravos ainda estão pungentes em um contexto global e em nosso dia-a-dia. Nada mudou, ainda tentam atravancar as nossas ascensões coletivas e individuais.


Leitores afro-latinos, ao direcionarem seus olhares ao passado, vocês poderão enxergar a grandiosidade de civilizações e impérios. E tenho certeza que isto será o suficiente para fortalecer a sua luta diária. Você não está só, nenhum de nós está. Temos uma história rica e milenar como base para construir o nosso amanhã.


Apesar do debate, por vezes, girar em torno deste tema, a história do continente vai muito além disto. Costuma-se imaginar uma África homogênea, mas o que se apresenta nas páginas de História da África Negra é uma gigantesca pluralidade de povos, culturas, filosofias e mistérios a serem desvendados. Páginas repletas de personagens inspiradores e passagens que narram formas muito originais de organização social como a dos povos iorubás fundadores do Império de Oyo. Que praticavam regicídio, ou seja, decretavam pena capital ao próprio rei em caso de "exacção ou de crime escandaloso".


Entender a nossa história fora da visão eurocentrista que nos é determinada nas escolas e nos meios de comunicação é um ato político e libertador. Um conhecimento essencial para qualquer cidadão latino americano.


  • Joseph Ki-Zerbo é uma das personalidades africanas com maior prestígio nos meios cultos internacionais. Natural do Burkina Faso, diplomou-se em Paris pelo Institut d'Études Politiques em 1954 e conseguiu na Sorbnonne o grau de agrégé em História. Entre os muitos cargos que desempenhou, podem citar-se os de: 

  • Diretor-geral da Educação Nacional do Burkina Fasso; Membro do conselho de administração da UNITAR (Instituto das Nações Unidas para a Investigação e a Formação - ONU); Membro do conselho de administração do Instituto Internacional para a Planificação da Educação (UNESCO); Fonte: A História da África Negra vol. 1

  • Joseph Ki-Zerbo editou o primeiro, dos oito, volumes da coleção História Geral da África, publicação encomendada pelos países africanos à UNESCO. Clique aqui para baixar todos os volumes.

  • Um salve à , jornalista e cineasta, Rayane Penha pelas excelentes observações.

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